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Mais uma pulsação, apenas mais uma, que me envolva, possante, com cobertores de palavras recentes, ainda escarpadas, — e todas as canalizações da voz ficarão entupidas, prontas para serem ingeridas pelo interruptor que vou pressionar.
Não darei tréguas a ninguém. A ninguém, — nem a quem me contorne nem a quem (mesmo que me insira em si) coincida com a reptação da intimidade possível de forjar sobre a cama onde me guardo. Tornar-me-ei marginal em relação ao universo e à sua morte gémea. Creio que, se não perturbar a lisura desta perspectiva rigorosa, existirá a vaga hipótese de reaver uma trajectória insinuante para a espuma da lucidez. E por isso preparo, em segredo, o naufrágio da minha jangada pedestre. O que me permitirá, passando despercebido, lubrificar facilmente as alavancas dos cotovelos e dos joelhos apoiados à insónia.
Nada de bocados de riso. Nada de carícias rasando a torção vedante de me ver de costas. Restringir-me ao embate colérico de uma locomotiva sem freios contra o que foi irreversivelmente apagado.
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Vejo-o inerte, — indiferente à sedimentação da distância que progressivamente nos afastará um do outro. Porém, mesmo assim, persistirei em não retroceder perante os sucessivos obstáculos latentes na actual situação deste mútuo frente a frente, a qual, apesar de sem uma conclusão prognosticável, me indicia a complementaridade que ele tenta esboçar sob o meu olhar. Apesar de, em ambos nós, algo nos leve a falhar a necessidade de sermos duplos um do outro.
Inerte, e tencionando manter-se inerte, — e no entanto, presumo, perfeitamente convicto de que, em diversos aspectos, se encontra dependente dos movimentos com que em relação a ele me defino. O que parece não afectá-lo de um modo persuasivo, já que, ao reparar que eu, próximo de si, e sem que me desvie do objectivo previamente concebido, começo a escrever esta anotação, — prontamente, num redobrado abandono, consente-se absorvido pela oportunidade de usufruir de uma mínima porção de vida, suficiente para conseguir demonstrar, longe de mim, a inutilidade deste meu acto.
E sei que a razão está do seu lado. Com efeito, nada do que escreva servirá para encurtar a distância existente entre nós. Nada do que dele extrairei, de palavras ditas, servirá para lhe tocar no corpo quase inanimado. Porque as palavras que então me disser, (se chegar a dizê-las), não serão mais do que a evidência da falta de motricidade das visões do que de si se tem afirmado como uma vida virada estritamente para dentro. E porque, por fora, o resto da sua vida tomará uma forma dissimulada, tão voluptuosa quanto a escrita que as minhas mãos nestas páginas irão lapidar.
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