No rescaldo de um cataclismo mitológico que ocasionou a destruição de uma bem fornecida biblioteca pública (uma qualquer, com efeito, desde que lhe quadre a descrição, ainda que não a mitografia), várias personagens literárias reúnem-se no Purgatório, a fim de resolverem os dramas, os anelos e as angústias pessoais que as acompanharam ao longo da sua provecta existência ficcional, e assim transitarem mais desafogadamente para o Paraíso. Com distintas implicações, o sentimento amoroso, eterno gatilho de conflitos e núncio pontual de conciliações, impõe-se como o elemento de lúgubre ou festiva comunhão entre as personagens. Face aos seus arbítrios, não parece valer mais ser fruto das invenções de Plauto, de Boccaccio ou de Scarron. Ou talvez valha. Propicia-se ainda um pretexto para o questionamento (em laivos ora fingidamente sisudos, ora edificantemente paródicos) da própria ficcionalidade. Em que medida diferem estas entidades de papel, instigadas por todos os tipos de paixões, dos indivíduos a quem, a título zoológico ou por nefasto atavismo metafísico, se requer que chamemos humanos? E quais os limites, quais as condições, quais os dividendos dessa insólita forma de empatia?
O Purgatório de Namorados
ISBN: 9789897824548