Portugal foi o primeiro país de pendor claramente universalista arrastado sob o pendão da sua religião monoteísta. Usufruiu e extrapolou em dado momento, mas pouco guardou dessa infinita grandeza dispersa por entre as brumas de todos os oceanos. A princípio depositou padrões, construiu feitorias e fortalezas. Daí até ao comércio de escravos foi um passo. Os bustos dos heróis esclavagistas jazem agora entre os despojos mas ficou para sempre o legado de uma língua romanesca e o poder de um Deus cujos prosélitos desfilavam, em sua honra, pelas praias dos novos mundos. Queimou aldeias quando subiu os rios. Ergueu fronteiras a milhares de quilómetros. Imperiou-se.
Os povos que este pequeno país surpreendeu com armas na mão e uma cruz ao alto, pagaram, séculos depois, com a revolta. Todo aquele conflito gelasiano entre os poderes espiritual e temporal acabou com este incinerado, já no século XX, na última das guerras – a guerra do Ultramar. Quando os que aí combateram pensam no Portugal que representaram, o mesmo que foi resistindo à força da história durante treze anos de decadência, ainda hoje se sentem duplamente enganados. À uma porque não se sentiam alinhados com as opções do regime que os forçou a embarcar numa aventura bélica sem futuro; e porque, ainda hoje, passados 50 anos, não estão oficialmente ilibados de uma alegórica culpa colectiva chamada colonialismo.
Depois de um milhão de convocados, nove mil mortos, centenas de estropiados, cem mil traumatizados e o orgulho ferido, resta-nos em contraponto o eco da voz balsâmica das mulheres que se voluntariaram para acudir às feridas da orfandade cidadã que grassava pelas casernas onde os combatentes se refugiavam da noite dos predadores.
Os pais da mancebia eram analfabetos, muitas namoradas, encurraladas na dúvida, pediam escusa; a Madrinha de Guerra foi a resposta que o regime elegeu para compassar o doloroso sentimento de abandono.
Neste livro tentamos por de pé o percurso de uma delas – talvez a mais notável.